Homilia na Missa da Ceia do Senhor
Catedral de Beja
Quinta-feira Santa, 18 de Abril de 2019
Com esta celebração da Última Ceia de Cristo Senhor, caros padres, diáconos, religiosos, seminaristas e fiéis, entramos nas Celebrações Pascais deste ano. Entremos, alargando o coração até às medidas imensas do horizonte de Cristo, sugeridas neste passo do Evangelho agora proclamado.
1. Chegado a este momento da Ceia e do Lava-pés, Jesus tem consciência clara de que chegara a sua Páscoa, a Sua hora de passar deste mundo para o Pai; de que o Pai lhe concedera toda a autoridade e que como homem e como Filho, saíra de Deus e para Deus voltava. Na sua sabedoria, Jesus está situado: sabe Quem é e qual a Sua missão, sabe também de onde veio e para onde vai. Sabe qual é e quer realizar a vontade do Pai até ao fim: manifestar e oferecer ao mundo a Sua Vida Divina, ocupar o último lugar como Servo de todos, amando-nos e dando a Sua Vida pela Redenção de todo o mundo. É assim que vemos o Senhor tirar as Suas roupas e começar a lavar os pés aos discípulos.
Pedro resiste-Lhe, abismado por ver o Senhor realizando o trabalho dos escravos. Jesus responde-lhe que ele, Pedro, não pode compreender agora o que lhe está fazendo, mas que, mais tarde o compreenderá. E assegura-lhe que, se não o lavar, Pedro não terá comunhão com Ele. Como é verdade, queridos irmãos e irmãs que participais habitualmente na Eucaristia e comungais o Corpo do Senhor, depois de terdes sido lavados por Ele no Sacramento da Penitência, no qual se renova a graça do Batismo que nos põe em comunhão com Jesus. Para termos parte com Jesus e vivermos unidos a Ele precisamos de nos deixarmos lavar por Ele, confessando os nossos pecados à Sua igreja e dela recebendo o perdão. Comungar sacramentalmente o Corpo de Jesus indignamente, sem termos sido por Ele lavados, diz o apóstolo São Paulo que é comer a própria condenação. A Pascoa é a passagem de Cristo que traz vida para quem, sendo escravo oprimido no Egipto, deseja sair para a liberdade. Mas esse mesmo Deus que passa dando vida, também semeia a morte entre aqueles que estão no Egipto e oprimem os filhos de Israel. Por isso, irmãos e irmãs, caríssimos, a Páscoa pergunta-nos onde estamos e como vivemos: se somos escravos do faraó e desejando a libertação, ou se trabalhamos para o faraó e ganhamos a vida oprimindo os nossos irmãos e vivendo para nós mesmos.
2. Viver para nós mesmos, sermos egoístas, é sermos escravos do faraó, o demónio. Cristo Nosso Senhor morreu e ressuscitou, afirma Paulo vigorosamente, para que nós, os vivos, deixemos de viver para nós próprios, mas vivamos para ele que por nós morreu e ressuscitou. E em que consiste esse viver para Cristo? Em nos amarmos uns aos outros, como Ele nos amou. Ele amou-nos quando éramos malvados e pecadores. Este amor é divino, não é humano, e só podemos praticá-lo movidos pelo Espírito Santo que dá aos nossos corações as dimensões imensas do Coração do Senhor Jesus. Na presente celebração temos um sinal, caríssimos irmãos, na mala que significa os imigrantes que batem à porta da Europa e de Portugal procurando fugir das suas terras onde a fome e as guerras não deixam condições para viverem dignamente. Partilhar a Viagem é o nome desta ação sensibilizadora promovida pela Cáritas. Há várias histórias de migrantes escritas pelos próprios, nas quais contam as aventuras por que passaram até aqui. Com todos os incómodos e riscos possíveis, trata-se, no entanto, de abrirmos as portas a Cristo, Nosso Senhor, que na pessoa destes irmãos, nos bate à porta. Abramos-lhe os nossos corações, amemo-los com o mesmo amor, com os mesmos sentimentos e com o mesmo espírito de Jesus. Aproveito para dar uma palavra de gratidão à Cáritas Diocesana de Beja que é expressão ativa e generosa da Caridade desta Igreja que somos todos nós. Parabéns pelo trabalho que estais realizando e coragem para não vos cansardes de fazer o bem a tantas pessoas que precisam de ajuda nesta cidade e nesta diocese.
3. A Caridade é o vínculo da perfeição. Falamos de perfeição neste mundo concreto, cheio de imperfeições e de pecados, poderá parecer ingenuidade. Mas a Igreja está no mundo precisamente para ser sinal e presença da Caridade de Deus. A nossa missão de cristãos no mundo, consiste precisamente em sermos testemunhas dessa Caridade divina de onde vimos e para onde vamos, de esse amor primeiro que faz girar o sol e as outras estrelas. A fonte dessa Caridade, desse amor, está em Jesus Cristo Nosso Senhor que no-la oferece quando participamos na Eucaristia, sobretudo na Eucaristia de Domingo. Não podemos ser cristãos sem a Eucaristia, sem celebrarmos nela o memorial da Páscoa do Senhor. Como me entristece verificar como é diminuta nesta diocese a participação dos fiéis nas nossas Eucaristias! Sem este alimento de vida eterna, a vida cristã desaparece pouco a pouco. Como despertaremos, tantos irmãos e irmãs que foram batizados mas cuja fé não se desenvolve porque não é alimentada? Deixo-vos, caros irmãos, esta minha grande preocupação, neste dia em que comemoramos a Instituição da Eucaristia.
4. Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o Sou. Se Eu, o Senhor e Mestre vos lavei os pés, dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu vos fiz, façais vós também. Lavarmos os pés uns aos outros, queridos irmãos, é pormo-nos abaixo daquilo que os outros têm mais baixo, os pés. É considerarmo-nos servidores de todos, colocando-nos abaixo de todos, no último lugar, no único lugar deste mundo onde há verdadeira paz.
Vamos lavar os pés de alguns homens aqui presentes. Que este gesto se grave bem nas nossas mentes e corações, para que possamos traduzi-lo no concreto das nossas vidas.
Amém.
+ João Marcos, Bispo de Beja
Quinta-feira Santa, 18 de Abril de 2019