250 ANOS DA RESTAURAÇÃO DA DIOCESE DE BEJA
Missa Crismal
Homilia
Senhor Vigário-geral, Reverendos Cónegos, Presbíteros e Diáconos aqui presentes, caros seminaristas, religiosas e religiosos, e fiéis leigos:
Quero saudar, no início desta homilia, o Senhor D. António Vitalino, Bispo Emérito da nossa Diocese, a quem convidei para estar presente connosco nestas celebrações jubilares. Respondeu-me que não poderia vir. Manda cumprimentos a todos os sacerdotes, dizendo-lhes que recordem os 250 anos da restauração da Diocese, pois recordar é viver. E acrescenta: Se Deus me der vida neste mundo e tiver saúde, não faltarão oportunidades de rever a todos, de quem tenho saudades. Muito obrigado, Senhor D. António!
Saúdo também o senhor Cónego Aparício e o senhor Padre Henrique, que neste ano completam os 60 anos da sua ordenação, o senhor Padre António Aresta Guerreiro, nos 50 anos do seu sacerdócio, e o senhor Padre João Paulo Bernardino, nos 25 anos da sua ordenação sacerdotal. Saúdo também o presbítero mais novo, o Padre Francisco Molho, hoje integrado pela primeira vez como presbítero, nesta Assembleia.
1 – Cumpriu-se hoje mesmo, esta passagem da Escritura que acabais de ouvir.
Hoje mesmo, neste dia em que se completam 250 anos sobre a data da restauração da diocese de Beja, se cumprem estas palavras lidas por Jesus na sinagoga de Nazaré e por Ele tomadas como programa da sua ação evangelizadora. Hoje mesmo, neste grande Hoje no qual se resumem os 91.312 «dias» destes 250 anos, o Espírito do Senhor ungiu homens e mulheres para anunciarem a Boa-Nova aos pobres, para proclamarem a redenção aos cativos e a vista aos cegos, para restituírem a liberdade aos oprimidos, para proclamarem o Ano da Graça do Senhor.
Deixemos brotar das nossas almas, caríssimos irmãos e irmãs, cânticos de alegria, de louvor e de ação de graças ao Senhor por todos os benefícios que nos tem concedido ao longo destes 250 anos. O Senhor é fiel no seu amor para connosco! Bendito seja o seu Nome para sempre! Dêmos-lhe graças, porque conservou e consolidou a vida desta Diocese, várias vezes ameaçada de extinção.
«Àquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus seu Pai, a Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos, Amen» (Ap 1, 6).
2 – Queridos padres e diáconos, cidadãos deste Reino de sacerdotes, membros da Igreja Católica: o que é a Igreja senão a Esposa de Cristo, amada por Ele até ao fim? Reconhecendo-se pecadora e indigna por suas obras, descobre-se surpreendentemente amada por Ele, que a justifica, lhe perdoa e a chama a participar da sua santidade. Que pode ela fazer senão proclamar bem alto o seu amor para com Ele? Hoje, desejo fazê-lo convosco, recordando brevemente a sua história.
O seu primeiro Bispo conhecido, Apríngio de Beja, brilhou pela sua cultura e erudição. O Comentário ao Apocalipse, obra sua que chegou até nós, elogiado por Santo Isidoro de Sevilha e utilizado pelo famosíssimo Beato de Liébana, dá testemunho da cultura e da doutrina profundamente católicas do seu autor. No século IX, quando os muçulmanos dominavam este território, o Senhor concedeu à Igreja de Beja o mártir São Sisenando, diácono e estudante de Teologia em Córdova. Durante esse longo período de domínio mourisco, em que o próprio título de Sé Pacense foi atribuído à Diocese de Badajoz entretanto criada, há testemunhos de que a Fé cristã permaneceu nos moçárabes que aqui habitaram. Com a Reconquista, Beja ficou integrada na Diocese de Évora. Louvamos o zelo pastoral do Cardeal D. Henrique, que lutou pela restauração desta Diocese, de modo a poder ser mais bem apascentada. Mas essa restauração apenas aconteceria quase duzentos anos mais tarde, em 1770.
Como sinal do amor do Senhor para com esta Diocese, devemos mencionar o seu primeiro Bispo, D. Frei Manuel do Cenáculo, homem que amorosamente a percorreu e assistiu, escrevendo um Catecismo e cerca de vinte Cartas Pastorais, e cuidando da formação dos clérigos. Já depois de ser Arcebispo de Évora, continuou a governá-la como Administrador Apostólico.
3 – No século XIX, com o triunfo dos liberais, a Diocese de Beja foi mal pastoreada e esteve a ponto de ser novamente suprimida. Damos graças ao Senhor pela ação do Cónego Boavida, deputado e par do Reino, que, nas Cortes e junto do Rei D. Luís, defendeu denodadamente a existência da Diocese de Beja.
Em 1883, foi sagrado nesta Igreja de Santiago Maior o Bispo D. António Xavier de Sousa Monteiro, ilustre cónego de Coimbra, músico dotado e pintor. Foi ele quem inaugurou, em Janeiro de 1885, o primeiro Seminário de Beja, no qual se formaram, em 25 anos, 125 sacerdotes. O seu sucessor, D. Sebastião Leite de Vasconcelos, natural do Porto, onde fundara as Oficinas de S. José, entrou na Diocese em 1908. No dia 5 de Outubro de 1910, impedido de regressar a Beja, refugiou-se em Rosal de la Frontera e depois em Sevilha, e por fim em Roma, onde viria a falecer. Tempos difíceis esses, para a Igreja Católica!
4 – Em 16 de Dezembro de 1920, o Senhor D. José do Patrocínio Dias, com apenas 36 anos de idade, foi nomeado Bispo de Beja. A memória deste homem de Deus ainda permanece viva em muitos dos atuais diocesanos. Ele foi verdadeiramente um pai para o clero que formou, primeiro no Seminário de Serpa e depois no Seminário de Beja por ele fundados. Ele foi também o pai amoroso dos pobres, para os quais construiu casas. Foi ele quem embelezou esta Igreja de Santiago Maior, para a transformar em Catedral de Beja, dedicada ao Sagrado Coração de Jesus. Foi ele ainda quem trouxe em peregrinação por todas as paróquias da Diocese a imagem de Nossa Senhora de Fátima venerada na Capelinha das Aparições. Foi ele também o fundador da Congregação das Oblatas do Divino Coração. A sua memória continua a ser ardentemente cultivada por elas, como fonte de inspiração para a obra notável que realizam.
O testemunho admirável dos Bispos que lhe sucederam, D. Manuel dos Santos Rocha, o Bispo do Concílio, D. Manuel Falcão, o Engenheiro das Almas, e o incansável D. António Vitalino Dantas, é uma esteira de luz que sublinha a importância do Senhor D. José do Patrocínio Dias.
E quantos padres notáveis saíram do povo desta Diocese! Quantas religiosas santas a ajudaram com a sua oração! Quantos casais unidos no santo Matrimónio foram testemunhas do amor de Cristo pela sua Igreja! Como não agradecer ao Senhor tantos testemunhos vivos da sua caridade?
Eis que Ele vem com as nuvens e todos os olhos O verão, até mesmo os que O trespassaram (Ap 1, 7a). Que significam estas palavras do livro do Apocalipse que escutámos há momentos nesta celebração? Quem são estas nuvens com quem Ele, o Senhor Jesus Cristo, vem até nós? Segundo alguns comentadores, o Senhor vem com as nuvens ou sobre as nuvens nos tempos da Igreja, por meio dos santos que manifestam as obras d’Ele. As nuvens que regaram com a pregação do Evangelho esta Diocese de Beja desde os primeiros séculos, são Apríngio, Sisenando, D. Frei Manuel do Cenáculo, o Cónego Boavida, D. António Xavier Sousa Monteiro, D. Sebastião Leite de Vasconcelos, D. José do Patrocínio Dias, D. Manuel dos Santos Rocha, D. Manuel Falcão e tantos outros cujos nomes desconhecemos, mas por cujo trabalho cresceram as raízes, o tronco, os ramos, as folhas, as flores e os frutos desta árvore que é a Igreja Diocesana de Beja. Todos estes foram homens débeis, mas, trazidos pelo vento do Espírito, permitiram que os seus contemporâneos vissem nas suas obras as obras de Cristo. Quantos bejenses puderam ver na figura de D. José do Patrocínio Dias, a imagem de Cristo manso e humilde, cheio de amor a Deus e aos pobres seus diocesanos?
5 – Ao relembrarmos a história da nossa Diocese, ressaltam aos nossos olhos não apenas estas nuvens benfazejas que regaram a seara de Deus, mas também os pecados e infidelidades de muitos outros membros desta Igreja Local, que impediram esta seara de crescer e frutificar. Também eles pertencem à história desta Diocese! Como seus herdeiros, é necessário que neste dia peçamos perdão ao Senhor para cada um deles e para cada um de nós. Pelos nossos pecados e pela nossa vivência débil da Vida Cristã que recebemos, perdoa-nos, Senhor!
6 – O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos infelizes, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a proclamar o ano da graça do Senhor e o dia da ação justiceira do nosso Deus, a consolar todos os aflitos, a levar aos aflitos de Sião uma coroa em vez de cinza, o óleo da alegria em vez do traje de luto, cânticos de louvor em vez de um espírito abatido. Vós sereis chamados sacerdotes do Senhor, linhagem que o Senhor abençoou.
O anúncio do Evangelho aos pobres, a cura dos corações atribulados, a redenção dos cativos, a liberdade dos prisioneiros, a consolação dos aflitos, o óleo da alegria, cânticos de louvor, tudo isto se cumpre na Igreja, em cada Igreja, tudo isto nos é oferecido pelo Senhor, sobretudo por meio de vós, padres e diáconos. Ao celebrarmos neste dia os 250 anos da restauração da nossa Diocese, exorto-vos a que vos levanteis dos vossos pecados e vos ofereçais novamente ao Senhor nos votos que, de seguida, ides renovar. Com um Clero desperto e oferecido ao Pai por Jesus, será fecundo o futuro da nossa querida Diocese de Beja.
10 de Julho de 2020
+ João Marcos, bispo de Beja