O Administrador Apostólico, D. João marcos presidiu na Sé à celebração do Dia de S. José Operário, padroeiro da Diocese de Beja. Participaram duas dezenas de padres da diocese e alguns Diáconos. Antes da homilia D. João leu uma mensagem de D. Fernando aos Diocesanos (será publicada em outro lugar) depois foi proferida pelo presidente a seguinte homilia:
Reverendos cónegos, caríssimos padres e diáconos, queridos irmãos e irmãs:
1- Ouvíamos na primeira leitura, tirada do livro do Génesis e proclamada há momentos, esta expressão: “Deus viu tudo o que tinha feito, era tudo muito bom”. Esta frase também pode ser traduzida desta maneira: “Deus contemplou tudo o que tinha feito: era tudo muito belo, era tudo muito lindo.” Em Hebraico e também em Grego, esta palavra tem, entre outros, estes dois significados. A escolha do termo bom, em vez de lindo, na tradução feita, denuncia que a perspetiva do tradutor foi mais moralista que estética.
Quando Deus se manifesta, Ele deslumbra as pessoas, antes de mais, com a Sua Beleza, com a Sua Glória. Só depois nos damos conta da Sua Bondade e, continuando a refletir, encontramos, finalmente, a Sua Verdade. Atualmente, a nossa sociedade, formada sobretudo pelos filósofos da desconfiança, desconfia muito da verdade e da bondade, mas continua a sentir-se atraída pela Beleza. Quando as pessoas chegam a uma terra, a uma cidade ou vila, que procuram elas? Que vão visitar? Procuram a Beleza, visitam igrejas e museus, sentem necessidade de se deslumbrar.
Não por acaso, o teólogo suíço Hans Urs Von Balthasar achou necessário mudar a ordem do nosso esquema habitual: pensar, agir, gozar; para gozar, agir e pensar. A sua grande trilogia começa com os nove volumes da Estética Teológica, continua pela Teodramática e conclui-se com a Teológica. O resultado é surpreendente, pois corresponde não só à maneira de as pessoas agirem, mas sobretudo, corresponde também ao modo de Deus se dar a conhecer quando Se revela na Sagrada Escritura e na História.
2- Mas que tem a ver esta reflexão, caros padres e diáconos, com a solenidade de hoje e com a nossa maneira de pastorear os fiéis? Neste dia, a Igreja põe diante de nós, a figura de São José, esposo e guarda da Virgem Maria e de Jesus, operário e padroeiro dos operários. Todos sabemos que não nos chegou, registada nas Escrituras, uma única palavra pronunciada por ele. O que se diz acerca de José é que ele escutava as palavras que Deus lhe dirigia por meio de um anjo enquanto dormia e, quando despertava do sono, obedecia a essas palavras. Para São José, palavra escutada era palavra que ele cumpria sem resmungar nem discutir. Como chefe da Sagrada Família, todos os dias ele ouviu a sua esposa e falou-lhe. Ouviu Jesus e respondeu-Lhe, ensinou-O. E estes diálogos e a sua convivência com Maria e com Jesus deram à sua vida a verdadeira beleza e uma fecundidade admirável. Vivendo o seu dia-a-dia na sublime companhia de Maria e de Jesus, São José tornou-se um contemplativo que certamente repetia para si mesmo, ao contemplar Jesus e Maria: Deus fez tudo muito bem! Que beleza! E a sua vida resumia-se a este trabalhar gozoso para alimentar e defender Jesus e a Sua Mãe.
3 – Tendo São José por padroeiro da nossa diocese, tomemo-lo como exemplo para o nosso trabalho. Aprendamos com ele a escutar as palavras com que Deus nos dá a conhecer a Sua vontade, o mesmo é dizer, aprendamos com ele a conhecer a vontade de Deus e a pô-la em prática. Para isso, precisamos da disciplina que nos esvazia de nós mesmos, dos nossos quereres, para termos espaço para acolhermos a vontade de Deus e O servirmos. A vida da fé que São José viveu, alimentou-se deste escutar e deste realizar a vontade do Senhor. Sempre por amor, sempre deslumbrado por aqueles que serviu dedicadamente, por Maria e por Jesus. Queridos padres, o nosso ministério tem necessariamente este fundamento e esta base, que nos leva a servir o Senhor: O amor. É o amor a Cristo Senhor que nos leva a reconhecer que o Seu jugo é suave e a Sua carga é leve. É esse amor que nos ajuda a anunciar o evangelho e a servir os nossos irmãos, alegrando-nos também, como os apóstolos ao saírem do sinédrio, por terem sido considerados dignos de sofrer por amor de Jesus. Sem esse amor, tantas vezes expresso no sofrimento, sem beleza que atraia os olhares, o nosso ministério fica reduzido a um cumprir tarefas para auferir lucros apenas humanos, lucros que não nos acompanharão além da morte. Como a José, Deus manda-nos cuidar de uma gravidez que não provocámos, manda-nos educar um filho que não foi gerado por nós, manda-nos receber por esposa uma mulher grávida por obra do Espírito Santo e viver com ela um casamento virginal: José, filho de David, não temas receber Maria por tua esposa, pois o que nela se gerou é obra do Espírito Santo! E, despertando do sono, José fez como o Senhor lhe ordenara.
4 – Foi difícil para José aceitar a vontade de Deus e pôr-se ao Seu serviço, tomar a seu cargo aquela família onde Jesus lhe chamava pai, mas onde ele não era pai de ninguém, onde Maria o tratava por marido, mas onde ele não era marido de nenhuma mulher. Na tradição mais antiga da iconografia do Natal, vemos José sendo tentado por um pastor racionalista que lhe diz que está metido num grande problema. Esta tentação de São José, quantas vezes se tem repetido na vida dos padres, quantas vezes matámos Jesus no coração dos fiéis, apenas porque não fomos nós a provocar essa gravidez. Como dizia o Senhor D. António Marcelino, parece que muitos padres, ao entrarem numa paróquia, a única palavra de que se lembram é aquela do livro do Apocalipse: eu faço novas todas as coisas!
Queridos irmãos e irmãs: deixemo-nos ensinar pelo Senhor como São José. Vivamos como ele com Jesus e com Maria, escutemos como ele a palavra do Senhor e obedeçamos-lhe. Rezemos o terço todos os dias e aprenderemos como ele, com Maria, a servir o Senhor como Ele quer ser servido, e não trabalharemos em vão.
5 – Um outro aspeto que resplandece na sua vida é a humildade. Chefe da Sagrada Família, ele que dava ordens a Maria e a Jesus, São José era, na realidade, o menos importante dos três. Ele era o servo de Maria e de Jesus. Deus confiou-lhe os maiores tesouros, Jesus, seu Filho, e sua mãe. Como precisamos, caros irmãos, de aprender com ele a ocupar o último lugar. Somos servos! Na Igreja, que tem na Sagrada Família o seu modelo, todos somos servos. Maria respondeu ao anjo: “Eis a Serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua palavra”. Jesus é o Servo de Deus, glória de Israel e luz para iluminar as nações e José é o Servo fiel e prudente que o Senhor pôs à frente da sua família, para dar a seu tempo, a cada um, o seu pão. Queridos padres, queridos diáconos: à imagem de São José, sejamos humildes servos. Com razão o papa se considera o servo dos servos. Sendo o primeiro, é também o último. EÉ contra ele que se voltam todos os que odeiam a Igreja Católica.
Para defender Jesus da fúria de Herodes, José teve de emigrar para o Egito com Jesus e Maria. Neste tempo em que vivemos, para defendermos a fé daqueles que foram confiados aos nossos cuidados, precisamos de trabalhar, de sofrer, de aprender a falar outra língua, como aconteceu com a Sagrada Família exilada no Egito. E a nossa vida transforma-se numa aventura, em que sempre nos vemos dependentes da ajuda de Deus.
1.600 anos foram precisos para que S. José fosse reconhecido como o grande santo que foi e que é. Vemo-lo hoje como Padroeiro da diocese de Beja, e como patrono da Igreja Universal. Aprendamos com ele, caros irmãos e irmãs, a escutar as mensagens do Senhor, e a guardar no coração as palavras que o Senhor nos revela, e a fazer em tudo e sempre a Sua vontade, e seremos colaboradores humildes do crescimento do Reino de Cristo nesta nossa diocese de Beja tão querida, e neste nosso mundo tão amado por Deus.
+ J. Marcos, administrador apostólico de Beja