IGREJA CATEDRAL DE BEJA
07 de julho de 2024
Caros irmãos e irmãs em Cristo, a Igreja nesta celebração suplica, conforme as palavras da Oração Colecta, o exercício do ministério episcopal de modo fiel e comprovado na transmissão da palavra e no testemunho de vida cristã. De facto, a pregação da Palavra, própria ao Pastor, é uma missão relevante do ministério porque “Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de caridade e moderação” (2Tm 1, 7), tal como meditamos na Segunda Epístola de São Paulo a Timóteo. A transmissão da Palavra Revelada e confiada ao Magistério da Igreja exige dos Bispos coragem, fortaleza, testemunho de vida e decisão para dar a vida dia-a-dia, momento a momento. “Não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor […], sofre comigo pelo Evangelho, confiando no poder de Deus” (2Tm 1, 8), recorda S. Paulo a Timóteo.
A evangelização pede coerência comprovada e que revele santidade, não embasada nas virtudes e qualidades particulares dos eleitos mas sustentada por Cristo, fonte e manancial da graça. É n’Ele e por Ele que, tal como o Apóstolo, proclamamos: “sei em quem pus a minha confiança e estou certo de que Deus tem poder para guardar a missão que me foi confiada até ao último dia” (2Tm 1, 12).
1 – Ser Pastor à maneira do Bom Pastor, como anunciou o Evangelho (Jo 10, 11-16), pressupõe a dádiva total da vida pelas ovelhas, por cada ovelha, conhecendo-as pelo nome. Os bons pastores são, deste modo, “trabalhadores na messe da história do mundo, com a tarefa de purificar, abrindo as portas do mundo ao senhorio de Deus, a fim de que a vontade de Deus seja feita, assim na terra como no céu”, afirma o Papa Bento XVI (Homilia, Ordenação de Cinco Arcebispos, 5 de Fevereiro de 2011).
Na continuidade da catequese apresentada por São João, o Divino Mestre revela um aspecto central da missão episcopal: o zelo pela unidade do seu rebanho. “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil e preciso de as reunir; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor”. Neste mundo frágil e confuso, de ruído e cacofonia, fluido e violento deparamo-nos com ovelhas perdidas, desorientadas e afastadas. Na contextualização da realidade vivida pelo profeta Isaías, exposta na Primeira Leitura (Is 61, 1-3a), encontramos luz para a actualidade. O profeta anuncia a mensagem de Jahvé ao Seu Povo enquanto rebanho oprimido e ferido no exílio da Babilónia. Trevas, escravidão, desalento e falta de esperança dominavam as ovelhas de Israel. Eis a tarefa dos Pastores, a nossa tarefa: ser eco da voz de Cristo, o Bom Pastor, fazendo-a chegar a todas as ovelhas, as do próprio redil ou alheias a este. Eis o desafio que os Sinais dos Tempos nos apresentam: reunir o rebanho ferido, ameaçado e disperso do nosso “hoje” a fim de que seja conduzido pelo Bom e Belo Jesus Cristo, Nosso Senhor. Não temamos a missão e abracemo-la com a Esperança que brota da Alegria do Evangelho. Assumidos pelo Espírito Santo e ungidos pelo Senhor somos profeticamente enviados “a anunciar a boa nova aos infelizes, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a proclamar o ano da graça do Senhor […]; a consolar todos os aflitos, a levar aos aflitos de Sião uma coroa em vez de cinza, o óleo da alegria em vez do trajo de luto, cânticos de louvor em vez de um espírito abatido” (Is 61, 1-3a). Nas palavras do Santo Padre, o Papa Francisco, neste desafio importa amar “com amor de pai e de irmão todos aqueles que Deus vos confia. Antes de mais nada, sacerdotes e diáconos, os vossos colaboradores no ministério; mas também os pobres, os indefesos e todos aqueles que precisam de acolhimento e de ajuda. Encorajai os fiéis a cooperar no compromisso apostólico e escutai-os de bom grado” (Homilia, Ordenações Episcopais, 27 de Junho de 2017).
2 – Na Igreja Primitiva, S. Lucas no livro dos Actos dos Apóstolos, exprime a beleza e a harmonia icónica do rebanho em torno do seu Pastor: “Eram assíduos no ensino dos Apóstolos e na comunhão, na fracção do pão e nas orações” (Act 2, 42). O Papa Teólogo, Bento XVI, na homilia proferida na Ordenação de cinco arcebispos em 2011 e já por nós citada, extrai desta passagem quatro elementos ou pilares fundamentais do ser da Igreja e, por isso, do serviço episcopal.
Primeiro pilar – «Eram assíduos no ensino dos Apóstolos»
O ensino dos Apóstolos é concreto e autêntico porque o “Deus ao qual nos confiamos tem um rosto e concedeu-nos a sua Palavra”. O anúncio kerigmático apostólico resume-se, desde a Igreja antiga, na chamada Regula Fidei que, “em síntese, é idêntica às Profissões de Fé. Eis o fundamento confiável, sobre o qual também nós cristãos nos fundamentamos hoje.”
Ser Bispo é ser Ministro da Palavra iluminador do hoje pela fecundidade que nos vem da Fé dos Apóstolos.
Segundo pilar – «na comunhão»
“Depois do Concílio Vaticano II, este termo [oikonomía] tornou-se uma palavra fulcral da teologia e do anúncio porque nele, com efeito, se manifestam todas as dimensões do ser cristão e da vida eclesial”. Esta comunhão realiza-se com a partilha do “visto e ouvido”, tocado e palpado pelos Apóstolos no convívio com Jesus, o Filho de Deus feito homem. Por meio da pregação ancorada na Tradição Apostólica, o ministério dos Bispos garante “que esta corrente da comunhão não se interrompa. Esta é a essência da Sucessão apostólica: conservar a comunhão com aqueles que encontraram o Senhor de forma visível e tangível, e assim manter aberto o Céu, a presença de Deus no meio de nós”. Nós, os sucessores dos Apóstolos, devemos amorosamente declarar às ovelhas do nosso rebanho: “senti no fundo de vós mesmas, a certeza do amor por nós vivido e que nos transformou. Senti e experienciai o amor radical e radicalizante daquele que santificou os nossos antecessores e nos santifica a nós”. Sim, ser Bispo é sempre e sem desistência ser construtor de comunhão, de reconciliação e de cura.
Terceiro pilar – «na fracção do pão»
O partir o pão, isto é, a celebração da Eucaristia “constitui o fulcro da Igreja e deve ser o centro do nosso ser cristãos e da nossa vida sacerdotal”. Formamos no Banquete Sagrado um só corpo e um só pão (cf. 1 Cor 10, 17). Viver intensamente e com piedade a Celebração Eucarística é dar testemunho de fé que nos reúne no mesmo Senhor e Pastor. Partilhar o pão sagrado, significa também num sentido horizontal, “a partilha, a transmissão do nosso amor pelo próximo”. A dimensão social e a partilha não constituem um suplemento moral que se acrescenta à Eucaristia, mas fazem parte dela. A práxis social da partilhada entre os cristãos será mais real e frutífera quanto mais inspirada for na Fé e vivida no Amor Eucarístico. Sem isto corre o risco de estéril superficialidade. Sim, ser Bispo é tornar-se Eucaristia partida e repartida para todos, hóstia viva na Igreja de Cristo.
Quarto pilar – «nas orações»
O uso do plural, como destaca o Papa, evidencia algo importante. “Por um lado, a oração deve ser muito pessoal, um unir-se a Deus no mais profundo”. Todavia, “nunca é exclusivamente algo particular do meu «eu» individual, que não diz respeito aos outros. Rezar é, essencialmente, orar no «nós» dos filhos de Deus. Somente neste «nós» somos filhos do Pai-Nosso, que o Senhor nos ensinou a recitar”. A oração aproxima-nos de Deus que é o “Senhor das proximidades”, na expressão do Papa Francisco. Ao cultivar esta proximidade íntima e profunda com Deus fortalecemos o nosso coração “a ponto de se tornar ele mesmo como o coração de Cristo”. O Bispo é reflexo do Bom Pastor e ama as ovelhas com o Amor com que é Amado por Cristo.
Estimado D. Fernando Paiva, com a graça dos teus pais e familiares aqui presentes, lembro o feliz dia do teu nascimento, dia 26 de Novembro, designado como dia Mundial da Oliveira. Coincidentemente é nome da tua terra natural: Oliveira, São Pedro do Sul, Diocese de Viseu. Como fruto aprimorado da oliveira, alicerçado na Palavra de Cristo – Alfa e Ómega – serás unção de paz e conforto para todo o Santo Povo de Deus que com os seus pastores, Bispo, Presbíteros e Diáconos, e também com os seus consagrados e consagradas e esperançosos seminaristas, peregrina por estas terras do Baixo Alentejo, percorridas pelos Santos Apríngio e Sezinando e pela intercessão do Coração Imaculado de Maria e de S. José, Padroeiro desta amada Igreja Particular, na toponímia romana referida como Diocese Pacense, saborearemos o encanto do Salmista: “Óh, como é bom e agradável viverem os irmãos em união!” (Sl 133, 1). Concretizar-se-á, assim, o apelo que ecoa no teu coração e se exprime nas tuas Armas de Fé: “Pertencemos ao Senhor”. Ancorados nesta certeza e na coragem missionária das figuras grandes que fraternalmente te antecederam, nomeadamente D. João Marcos, para ti e para todas as comunidades imploro coragem e confiança.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora