Homília Centenário da ereção canónica da Sé de Beja, 17/11/2024
Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo,
Neste dia de festa e de gratidão, congregamo-nos na Catedral de Beja, celebrando com júbilo o centenário da sua ereção canónica. Esta celebração é um marco importante, pois a nossa Sé não é apenas um edifício, não é apenas mais uma Igreja; é o coração espiritual da nossa Diocese, a casa que acolhe e une todos os fiéis e o centro onde pulsa a vida da nossa Igreja local.
Neste final do ano litúrgico, XXXIII Domingo do tempo comum, a liturgia da palavra fala-nos do final dos tempos, usando uma linguagem apocalíptica. Somos convidados a reflectir acerca da transitoriedade deste mundo sempre em mudança. Como nos diz S. Paulo, o cenário deste mundo é passageiro – Jesus convida-nos a colocar o nosso coração naquilo que de facto é importante e a viver a nossa vida na certeza do amor com que Deus nos acompanha nesta vida que passa e a vivermos sob o Seu olhar benevolente. Diz-nos Jesus, no Evangelho que acabámos de escutar, que o Céu e terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. Que a nossa vida se alicerce na Palavra de Deus, rocha firme na qual podemos colocar toda a nossa confiança
Que acolhamos com autenticidade, nas nossas vidas, Jesus que veio e que vem ao nosso encontro, para não termos de recear a Sua vinda no final dos tempos, como nos ensina S. Agostinho.
1. Gratidão pela Sé, Igreja Mãe da Diocese
A Sé de Beja é a Igreja Mãe da nossa Diocese, o lugar onde está a Cátedra do Bispo – Sucessor dos Apóstolos. Esta cátedra simboliza a sucessão apostólica e a autenticidade da nossa fé, que remonta aos tempos dos primeiros discípulos de Cristo. Ao celebrar este centenário, somos convidados a recordar a solidez e a perenidade
desta sucessão, que garante a unidade da nossa fé e a continuidade do ensinamento dos Apóstolos, tal como nos foi transmitido.
Esta Catedral, como Sede do Bispo, é o sinal visível da comunhão da Igreja local, da nossa Diocese de Beja e também é um sinal de comunhão com a Igreja Universal.
Sinal visível da comunhão da Igreja local A Catedral, como Igreja Mãe da Diocese, é revestida de uma profunda força sim-bólica que transcende o edifício em que nos encontramos. É, antes de tudo, um marco espiritual, um ponto de referência que congrega e une toda a comunidade eclesial dio-cesana. O seu papel enquanto centro litúrgico e espiritual faz dela o símbolo mais evi-dente da unidade do Povo de Deus, representando a comunhão entre o bispo, o clero, os consagrados, o laicado, enfim, todos os filhos da Igreja que neste território peregri-nam na esperança. É neste espaço sagrado da nossa Catedral que se celebram os momentos mais solenes da vida da Diocese, as ordenações episcopais, presbiterais e diaconais e as grandes festividades do ano litúrgico. Estas ocasiões reforçam o sentido de pertença e coesão da comunidade, sublinhando a missão comum de viver e testemunhar a fé. A Catedral é um convite constante à comunhão, à renovação espiritual e à centralidade de Cristo na vida da Igreja. A Catedral é também a morada simbólica da herança espiritual e histórica da Di-ocese. Em cada pedra, altar, pintura, escultura, reflete-se a fé e a devoção de gerações que, ao longo dos séculos, moldaram a identidade da comunidade cristã local. É, por-tanto, um elo entre passado e presente, um farol que guia e inspira os crentes no seu caminho de fé. A força simbólica da Catedral está também no seu papel de acolhimento, em que todos são chamados a encontrar um espaço de paz e reflexão, independentemente da sua condição. É o lugar onde se experimenta a universalidade e a diversidade do corpo de Cristo, reunindo os fiéis num mesmo espírito de adoração e missão.
Sinal de comunhão com a Igreja Universal.
A Catedral, enquanto Igreja Mãe da Diocese, e o ministério do bispo diocesano constituem um poderoso sinal de comunhão com a Igreja Universal, no contexto da fé católica. Ela simboliza a ligação viva e incessante entre a comunidade diocesana e a grande família que é a Igreja espalhada pelo mundo. Este vínculo reflete a unidade na diversidade, congregando todos os crentes numa só fé, partilhada e celebrada desde a mais pequena paróquia até à Sé de Roma.
Na celebração da Eucaristia e em todas as celebrações que aqui têm lugar, a Ca-tedral é o espaço onde a Igreja particular manifesta também a comunhão com a Igreja Universal. Ao reunir o bispo, o clero e os fiéis em oração e adoração, reafirma-se o papel do bispo como sucessor dos Apóstolos e o elo de ligação direto com o Papa, o Sucessor de São Pedro e pastor supremo da Igreja. Cada celebração solene, particularmente as que envolvem o bispo, manifesta a comunhão com o Santo Padre e com os milhões de católicos no mundo inteiro, recordando que, independentemente das diferenças cultu-rais e geográficas, todos partilham a mesma fé e os mesmos sacramentos.
A estrutura e o simbolismo da Catedral também refletem essa dimensão de uni-versalidade. A arquitetura, as imagens dos santos e mártires, e os elementos litúrgicos apontam para uma tradição que atravessa séculos e fronteiras, unindo gerações e po-vos em torno da mensagem de Cristo. A Catedral é, por isso, um testemunho tangível de que a Igreja é una e apostólica, enraizada na doutrina transmitida desde os tempos dos primeiros cristãos e aberta a todos.
Além disso, a Catedral desempenha um papel vital nas celebrações e encontros que promovem a solidariedade e a colaboração entre as várias dioceses, reforçando a noção de que, apesar das especificidades locais, todas as Igrejas particulares são parte integrante do mesmo corpo, com Cristo como cabeça. Neste, sentido é muito significa-tiva a presença, nesta celebração das Dioceses irmãs da nossa Província eclesiástica de Évora que congrega as Dioceses do Sul de Portugal, na pessoa do Senhor Arcebispo de Évora, D. Francisco José Senra Coelho, nosso metropolita e do Senhor Bispo do Al-garve. D. Manuel Neto Quintas, representado pelo Sr Vigário-Geral, Monsenhor Cón. Carlos Alberto César Morais Chantre.
Aqui, nesta catedral renovamos a certeza de que fazemos parte de uma Igreja viva e universal, uma Igreja que transcende tempos e fronteiras, mas que encontra em cada Catedral a sua expressão local de comunhão. A Catedral é um sinal eloquente de comunhão com a Igreja Universal, com o Santo Padre, que guia a Igreja de Cristo na unidade e na caridade, e com todas as outras dioceses espalhadas pelo mundo.
Em suma, a Catedral é mais do que o coração físico da Diocese; é a expressão viva e tangível da sua unidade e missão. Ela representa o vínculo indissolúvel entre o povo de Deus e o seu pastor, e entre a Igreja local e a Igreja universal, testemunhando a esperança, a fé e o amor que sustentam a comunidade cristã.
2. Sinal de liberdade, casa dos filhos de Deus
A Sé é também um sinal de liberdade, um lugar onde todos os filhos de Deus são chamados a viver na liberdade plena que Cristo nos concedeu. Neste espaço sagrado
reconhecemo-nos como comunidade, como filhos livres de Deus, convidados a viver na verdade e na graça.
A memória de D. José Patrocínio Dias, que esteve na origem ereção canónica da nossa Sé, lembra-nos a coragem de erguer um testemunho de fé em tempos difíceis. Iniciando o seu ministério episcopal num período de grande hostilidade e perseguição que fortemente limitavam a liberdade religiosa, D. José Patrocínio Dias personificou a resiliência da Igreja em tempos de provação. A sua firmeza em defender a fé, em anunciar o Evangelho de Jesus Cristo e a liberdade religiosa reafirma que esta Catedral não é apenas sinal de comunhão da Igreja diocesana e de comunhão com a Igreja universal, mas também um sinal de liberdade e de esperança. Hoje, tal como no passado, a Igreja é chamada a ser um sinal de esperança e de liberdade num mundo que alguns tentam silenciar vozes e consciências.
3. A liberdade e a objeção de consciência
Neste contexto julgo pertinente abordar um tema sensível e atual: a objeção de consciência, especialmente no contexto da prática médica relativamente à questão do aborto. Vivemos tempos em que os princípios fundamentais da liberdade de consciência são postos em causa, e a tentativa de regulamentar e eventualmente limitar ou suprimir este direito atinge não apenas a dignidade dos profissionais de saúde, mas de toda a sociedade que se quer livre.
A objeção de consciência é um direito fundamental que protege a integridade moral e ética dos indivíduos e que garante e protege a liberdade de consciência. A negação deste direito seria um atentado à liberdade e um gravíssimo retrocesso civilizacional. Numa sociedade justa e livre deve haver espaço para a pluralidade e para o respeito da dignidade de todos os cidadãos. Como comunidade cristã e consequentemente como defensores e promotores da paz, da liberdade e do bem, não podemos ficar em silêncio perante as ameaças, que procurando impor a lógica do pensamento único, tentam desvirtuar este pilar essencial da nossa convivência social.
Conclusão
Já terminar uma palavra acerca do Dia Mundial dos Pobres:
Diz-nos o Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial dos Pobres deste ano:
«Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 187).
Neste ano dedicado à oração, precisamos de fazer nossa a oração dos pobres e rezar com eles. É um desafio que temos de aceitar e uma ação pastoral que precisa de ser alimentada. Com efeito, «a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. […] A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária»
Ou seja, somos chamados a ir em auxílio dos mais carenciados, nas várias dimensões da sua carência, nas várias dimensões do seu ser, atendendo às necessidades materiais, mas também propor respeitosamente cuidado espiritual. A caridade cristã é mais que uma mera filantropia, entendida à maneira do mundo. Já se faz muito bem e dou graças a Deus tanto empenho e generosidade que vou vendo, mas ouso dizer como S. Paulo, tratai de progredir ainda mais neste serviço de bem fazer dirigido à pessoa humana na sua totalidade
Ao celebrarmos o centenário da nossa Catedral, sejamos gratos por este santuário de fé, de esperança e de caridade, e peçamos ao Senhor a lucidez, a ousadia e a graça para enfrentarmos os desafios tempo presente, no desejo e na intenção de anunciarmos, pelo testemunho da nossa vida, o Evangelho de Jesus Cristo.
Que esta Sé continue a ser um sinal de comunhão, liberdade e esperança para todos, hoje e sempre. Que S. José, nosso padroeiro, nos guarde e proteja. Confiemo-nos também neste dia à intercessão da Virgem Maria, nossa Mãe, para que sempre nos ajude a seguir pelos caminhos de fidelidade a Cristo e à Sua Igreja.
✠ Fernando Paiva, Bispo de Beja