Homília da Missa da Noite de Natal Sé de Beja 2024
Caríssimos irmãos e irmãs,
Nesta noite santa, somos chamados a meditar sobre a grandeza e a beleza do mistério que celebramos: o nascimento de Jesus, o Filho de Deus, que veio ao mundo para nos salvar.
Como escreveu em tempos o padre poeta Dinis da Luz:
“… esta noite, entre as noites a divina A noite nos traz
Um clarão de paz Bênção das alturas
Ao mundo às escuras”
A primeira leitura, que escutámos, do profeta Isaías abre-nos o coração para a esperança com estas palavras:
“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz”
Este anúncio, cheio de beleza e promessa, ecoa também nos nossos dias. Ainda hoje, tantas trevas assombram o nosso mundo. Trevas de ódio, indiferença e egoísmo. Trevas que se manifestam nas guerras que dilaceram os povos, nas relações humanas marcadas pelo uso, abuso e descartabilidade, seja no seio das famílias, nas relações afectivas ou no mundo laboral. Vivemos numa sociedade onde, por vezes, o ser humano é tratado como um objeto a ser explorado e descartado.
Mas é precisamente nestas trevas que somos chamados a olhar para a luz que nos é dada. É a luz que ilumina o caminho para a paz, para a justiça, para o serviço e para a concórdia entre todos os povos. Essa luz não é apenas uma ideia ou um ideal; é uma Pessoa: Jesus Cristo, o Emanuel, o Deus connosco.
Isaías continua dizendo: “Porque um Menino nos foi dado.” Este é o dom supremo de Deus à humanidade. Na fragilidade de uma criança, Deus manifesta o seu poder de amor e a sua proximidade. Este Menino é o Salvador, o Príncipe da Paz, aquele que vem transformar o mundo e os corações.
Diante deste dom, o que nos é pedido? Gratidão. Acolher este Menino com coração aberto, reconhecendo nele o rosto de Deus que se faz próximo. O Natal convida-nos a ser agradecidos pelo amor imenso de Deus que não hesitou em descer até nós, assumindo a nossa condição humana.
Este menino que vem ao nosso encontro convida-nos a refletir acerca da delicadeza de Deus, que sendo Omnipotente, Todo-Poderoso, assumiu a fragilidade da condição humana na pessoa deste Menino. Na relação que estabelece connosco Deus não se impõe, mas expõe-se e de tal modo que fica mesmo sujeito à nossa rejeição.
No Evangelho, ouvimos o relato do nascimento de Jesus. É importante sublinhar que o Natal do Senhor não é um mito ou uma fábula bonita, mas algo que aconteceu realmente, num tempo e lugar concretos. Deus entrou na nossa história, visitou-nos na nossa fragilidade, fazendo-se um de nós. Por isso são explicitamente referidos personagens históricos, César Augusto, o imperador romano e Quirino, governador da Síria. A existência destes personagens é comprovada e confirmada por fontes históricas não bíblicas do mesmo modo que a própria existência de Jesus de Nazaré. Falamos de um evento que está perfeitamente situado na História da Humanidade.
Esta verdade enche-nos de esperança: a nossa história, com todas as suas limitações e feridas, foi transformada, transfigurada em história de salvação. Deus não ficou distante, mas fez-se próximo, tocou-nos, amou-nos, libertou-nos.
Também a nossa história pessoal, a história de cada um de nós, tantas vezes marcada pela fragilidade, pelo pecado, pela incoerência é visitada por esta presença que, se o permitirmos, pode converter o nosso coração, transformando a nossa história pessoal que assim se integra na história de Salvação, que Jesus quer fazer com cada um de nós. Este hoje que cantámos no refrão do salmo, pode acontecer também nas nossas vidas.
O Evangelho refere os pastores como sendo os primeiros destinatários do anúncio do nascimento de Jesus: “Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos”
Assim, estes pobres homens foram os primeiros a receber a grande notícia do nascimento de Jesus: os pastores. Naquela época, os pastores eram vistos como marginalizados, pobres e pouco considerados. No entanto, foram eles que ouviram primeiro o anúncio dos anjos.
Isto revela o coração de Deus: Ele tem um carinho especial pelos pobres, por todos os pobres e por todo o tipo de pobres. Os pobres materiais, que lutam para sobreviver; os pobres espirituais, que se sentem vazios e perdidos; os pobres nas relações, que sofrem com a solidão ou com a falta de amor. O Natal é para todos, mas especialmente para aqueles que mais precisam da luz e do calor de Deus. Por isso a Igreja, no magistério dos Papas S. João Paulo II, Bento XVI e Francisco, refere explicitamente a opção preferencial pelos pobres no sentido de enfatizar a importância e até a prioridade, no agir da Igreja, da atenção aos pobres, segundo os ensinamentos e o exemplo de Jesus
Conclusão
Nesta Noite Santa, deixemo-nos tocar pela luz que brilha na escuridão, acolhamos o Menino que nos é dado, com corações gratos e renovemos o nosso compromisso de levar essa luz ao mundo. Que possamos ser portadores de paz, justiça e concórdia, tal como Jesus nos ensinou, começando pelos mais pobres e necessitados.
Que a alegria do Natal encha as nossas vidas e ilumine os nossos caminhos!
† Fernando Paiva, Bispo de Beja