Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo,

Hoje iniciamos a Quaresma, tempo de conversão, de regresso ao essencial, de renovação do nosso coração para vivermos mais profundamente e de forma mais autêntica a nossa vida de discípulos de Cristo e para assim nos prepararmos para celebrar a Páscoa do Senhor. O rito da imposição das cinzas coloca-nos diante da verdade do que somos e do que somos chamados a viver: somos pó e ao pó havemos de voltar, mas também somos chamados à conversão, a voltarmo-nos para Deus. As duas frases que a Liturgia nos propõe – “Lembra-te que és pó e ao pó voltarás” e “Convertei-vos e acreditai no Evangelho” – revelam estas duas dimensões essenciais: a nossa fragilidade e finitude, mas também a vida nova em Cristo a que somos chamados. Assim, convido a olhar para este significativo rito da imposição das cinzas tendo por pano de fundo a virtude da Esperança. O reconhecimento humilde da transitoriedade da nossa frágil condição abre o olhar do nosso coração para um horizonte de vida eterna que nos é dado por Cristo em quem assenta a nossa Esperança. A atitude de conversão também sinalizada por este ritual, pressupõe e ao mesmo tempo fortalece a fé. A fé permite acreditar no Evangelho e confiar em Deus, mas é a Esperança que mantém essa confiança viva, diante das dificuldades, que não vão faltando no nosso caminho, e mesmo quando as trevas se adensam, é a Esperança, como nos diz Charles Péguy, que vê o que ainda não é e que será, e que ama o que ainda não é e será.

A Esperança cristã que nos anima no nosso caminho, no nosso peregrinar, não é um simples otimismo nem uma fuga da realidade; é uma certeza que brota da fé na vitória de Cristo sobre o pecado e a morte. E a Quaresma é precisamente esse peregrinar, de regresso a Deus, de renovação interior. Somos um povo em caminho, peregrinos nesta terra, chamados a caminhar não segundo os nossos desejos tantas vezes egoístas, mas segundo o coração de Deus. Neste tempo de Quaresma somos convidados a reassumir a nossa condição peregrinante, de peregrinos de esperança.

O Evangelho deste dia (Mt 6,1-6.16-18) apresenta-nos as três práticas fundamentais da Quaresma: a esmola, a oração e o jejum. Estas três práticas a que a Igreja nos convida, ajudam-nos a descentrarmo-nos de nós mesmos, libertando-nos da prisão do egoísmo e das distrações e seduções deste mundo que passa, abrindo o nosso coração a Deus e aos irmãos. Somos chamados a intensificar, aumentar, alargar, neste tempo quaresmal, estas práticas que já vivemos durante todo o ano e que estão profundamente interligadas.

A esmola abre-nos ao outro, especialmente ao mais carenciado. Não é apenas dar algo material, mas também aprender a sairmos de nós mesmos, a olhar, a escutar, a cuidar. É um exercício de caridade que nos ajuda a ver no irmão o rosto de Cristo.

A oração abre-nos a Deus. Muitas vezes, vivemos uma vida agitada, esquecemo-nos de parar, de escutar, de falar com o Senhor. A oração não é um ritual vazio, mas um encontro vivo com Deus, que nos transforma e fortalece. Nesta intenção de intensificar a vida de oração, se habitualmente participamos na Missa dominical, porque não, durante este tempo, se tal for possível, fazer o propósito de participar diariamente na Missa ou pelo menos algumas vezes durante a semana? ´ Uma sugestão entre muitas outras possíveis. Ainda neste âmbito da oração deixo uma palavra de destaque para a importância da adoração eucarística, como afirmava S. Afonso Maria Ligório “A devoção de adorar Jesus sacramentado é, depois dos sacramentos, a primeira de todas as devoções, a mais agradável a Deus e a mais útil para nós”. O amor pede proximidade, por isso precisamos de valorizar e incrementar a Adoração Eucarística.

Também o jejum nos descentra de nós próprios. No mundo atual, onde tudo nos convida à satisfação imediata dos nossos desejos, jejuar é um ato de liberdade: aprendemos a dominar os nossos impulsos e a fortalecer a virtude da temperança. Mas o jejum não é apenas um exercício de autocontrolo, porque está também orientado para a solidariedade e a partilha. Ao privarmo-nos voluntariamente de algo, abrimos espaço para partilhar com os que passam necessidades. Além do que formos fazendo de uma forma mais individual, somos convidados, como sinal do nosso compromisso comunitário de partilhar e ajudar, a participar e contribuir solidariamente, generosamente na Renúncia Quaresmal, que este ano será metade para a martirizada população do Haiti e outra metade para as necessidades da Diocese.

Assim, irmãos, a Quaresma não é um tempo de tristeza, mas um tempo de graça. Deus convida-nos a recomeçar, a renovar a nossa vida, a caminhar com esperança para a Páscoa e a fazê-lo em igreja, na companhia do povo santo de Deus, como nos ensina o Senhor no Livro de Ben-Sirá, “Anda na companhia do povo santo com aqueles que vivem e proclamam a glória de Deus”. É muito reconfortante sabermos que fazemos este caminho em Igreja, na companhia dos nossos irmãos na fé.

Que este tempo nos ajude a voltar o coração para Deus e para os irmãos, vivendo a esmola, a oração e o jejum como caminhos de libertação e de amor.

Peço a Nossa Senhora, Mãe da Esperança e a S. José, nosso padroeiro, que por nós intercedam e nos acompanhem nesta peregrinação até à Páscoa.

 

✠ Fernando Paiva, Bispo de Beja

 

PDF: Homília 4 Fª de Cinzas 5-3-2025

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