Homília da Missa de sufrágio pelo Papa Francisco e em acção de graças pelo seu Pontificado Sé de Beja, 23 de Abril 2025
Caríssimos irmãos e irmãs,
Hoje o nosso coração está envolvido por sentimentos de algum modo contraditórios: a dor da separação e a gratidão profunda pelo dom que Deus nos concedeu na pessoa e no ministério do nosso Papa Francisco. Celebramos esta Eucaristia em sufrágio da sua alma e em ação de graças pela sua vida entregue a Cristo e à Igreja.
O Evangelho que escutámos — o caminho dos discípulos de Emaús — ilumina admiravelmente a nossa celebração. Vemos ali dois discípulos mergulhados no desânimo e na tristeza: haviam depositado toda a sua esperança em Jesus, e agora, diante da Sua morte, sentiam- se perdidos. Também nós, sentindo a ausência do nosso amado Pastor, partilhamos algo desta experiência de dor e de incerteza.
Mas eis que Jesus Se aproxima, caminha com eles, escuta-os, fala-lhes, reanima os seus corações com a força da Palavra e, finalmente, dá-Se a reconhecer na fração do Pão.
Assim também hoje, neste tempo de luto, o Senhor não nos deixa sós: Ele vem ao nosso encontro através da Sua Palavra, que é proclamada nesta assembleia, na Fração do Pão e na comunidade reunida em Seu nome. A nossa tristeza é iluminada pela certeza da Sua presença viva.
Por vezes em momentos como este, a tentação é o isolamento, o afastamento da comunidade, como se a dor pudesse ser tratada sozinha. Mas o Evangelho ensina-nos outra resposta: permanecer juntos, escutando a Palavra, partilhando o Pão e sustentando-nos, fortalecendo-nos na fé da Igreja. Não abandonemos a comunidade eclesial em tempos de crise e desolação; pelo contrário, permaneçamos unidos uns aos outros e a Cristo, nosso Senhor.
Nesta hora, queremos elevar ao Senhor a nossa gratidão:
Agradecemos a vida generosa do Papa, que se entregou até ao último alento, fiel à missão recebida, servindo o rebanho de Cristo com amor, sabedoria e humildade.
Neste ano que passou tive a possibilidade de me encontrar com o Santo Padre, duas vezes. A primeira em Maio, por ocasião da visita Ad Limina, com os Bispos portugueses e em Setembro, por ocasião do encontro de formação dos novos bispos. Nestas duas ocasiões, fomos recebidos em audiência e tive a oportunidade de, nesses dias, ver de perto e compreender a generosidade do Santo Padre na sua disponibilidade em receber tantos grupos que se iam sucedendo nas várias salas de audiência do Palácio Apostólico. No contexto da sua avançada idade e frágil saúde, pude constatar presencialmente o esforço que o Papa Francisco fazia para poder estar próximo de todos e sempre numa atitude de grande proximidade e informalidade. Foi assim na sua entrega quotidiana ao serviço da Igreja e foi também assim na última semana que esteve entre nós, presente, disponível, próximo, até ao último alento. Ainda celebrou connosco a Semana Santa, ainda chegou ao Domingo de Páscoa, como que a despedir-se de nós, neste contexto litúrgico em que a Luz da Ressurreição de Jesus brilha, por assim dizer, de forma mais intensa, mais expressiva.
Damos graças a Deus pelos seus gestos proféticos, pela sua proximidade com pobres, com os marginalizados, com os que sofrem. Esta proximidade foi um sinal visível e eloquente do amor de Deus para com todos.
Damos graças porque nele vimos o Pastor que não abandona o rebanho, mas que quis caminhar com todos, mesmo nas veredas mais árduas.
Agora, confiamos o nosso Papa Francisco ao amor misericordioso do Pai, que é mais forte do que a morte.
Entregamo-lo à proteção da Virgem Maria, Mãe da Igreja, que o acompanhou nos momentos de luz e de treva, e também a São José, nosso padroeiro e guardião da Igreja, para que o conduzam à alegria eterna. Conhecemos a devoção que o Papa Francisco tinha à Virgem Maria, até pelo que agora sabemos do seu testamento espiritual e também a S. José, a quem dedicou um ano durante o seu pontificado, facto inédito na História da Igreja.
Que, à semelhança dos discípulos de Emaús, também nós possamos reconhecer o Senhor no partir do Pão e proclamar, com fé renovada: “Fica connosco, Senhor, porque se faz tarde e o dia já declina.” E que a memória e o exemplo do Papa Francisco nos impulsionem a viver com mais ardor a nossa fé, na esperança da Ressurreição.
✠ Fernando Paiva, Bispo de Beja
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